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O longo caminho rumo à normalização dos vínculos migratórios

Josefina VidalAS relações migratórias entre os Estados Unidos e Cuba mudaram abruptamente a partir de 1959, entretanto se desnaturalizam quando Washington resolveu converter sua política migratória para a Ilha em mais um instrumento de sua guerra contra o processo revolucionário cubano. A todos os cubanos que emigravam para os Estados Unidos, não importava a via e seus antecedentes, davam-lhe a categoria de «refugiados políticos», ao amparo da lei Walter-McCarran, de 1952, encaminhada a estimular a emigração dos países socialistas da Europa do Leste, conforme a intenção de enquadrar o confronto com Cuba no contexto da Guer-ra Fria e dar um tratamento similar ao que recebiam os imigrantes do bloco socialista. A partir daquele momento — para o governo dos Estados Unidos — os cubanos não emigravam igual que os dominicanos, mexicanos e porto-riquenhos, mas «fugiam do regime», expressão da alta politização que esse tema adquiriu.

O primeiro que fez a administração Eisenhower foi receber de braços abertos os criminosos e ladrões da ditadura de Fulgencio Batista, que fugiam da justiça revolucionária, ao tempo que começou a elaboração de projetos e programas especiais de ajuda exclusivos para os imigrantes cubanos, também com a intenção certeira de atrair a força mais qualificada da Ilha e privar a Revolução cubana desse valioso recurso humano. Em dezembro de 1960, foi criado o Centro de Emergência para Refugiados Cubanos, em Miami. Naqueles primeiros anos da década de 1960, o tema migratório se converteu em um dos pontos mais críticos nas relações entre ambos os países.

Não foi até 6 de dezembro de 1965, depois da chamada crise migratória de Camarioca, que os Estados Unidos e Cuba adotaram o primeiro acordo migratório, assinado pelo ministro das Relações Exteriores de Cuba, Raúl Roa García e pelo embaixador suíço em Havana, Emil A. Stadelhofer, representando os interesses estadunidenses na Ilha maior das Antilhas.

Esta crise foi o resultado do constante encorajamento dos Estados Unidos à emigração ilegal de Cuba, a entrega do status de «refugiado» aos cubanos que chegavam diretamente a seu território, incluídos sequestradores e os que cometiam outros delitos, enquanto era obstaculizada a entrada dos cubanos vindos de terceiros países, os que eram submetidos aos mesmos regulamentos que o resto dos imigrantes. A possibilidade de uma saída segura, legal e ordenada dos cubanos também foi se estreitando, depois que a administração Kennedy pusesse fim a todos os voos até e de Cuba, durante a Crise dos Mísseis de 1962. Isso provocou vários incidentes violentos e sequestros de embarcações.

Perante esta situação, o líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, anunciou em um discurso proferido em 28 de setembro de 1965, que seria habilitado o porto de Camarioca, na província de Matanzas, para que os cubanos que desejassem abandonar o país pudessem ser recolhidos por seus familiares em embarcações procedentes do território norte-americano. Por esta via saíram 28 mil pessoas, entre 10 de outubro e 3 de novembro daquele ano.

A administração de Lyndon B. Johnson, primeiro tentou se aproveitar dessa situação, com um fim de propaganda, mas depois, devido às dificuldades que esta situação anormal criou ao Serviço da Guarda Costeira dos Estados Unidos, propôs negociações ao governo de Cuba, através da embaixada da Suíça em Havana. As negociações concluíram com a assinatura de um Memorando de Acordo que permitiu o estabelecimento de uma ponte aérea entre Cuba e os Estados Unidos. Os voos saíam do aeroporto de Varadero para o de Miami, com uma frequência de dois diários, durante cinco dias por semana. O governo dos Estados Unidos se comprometeu ao translado de entre 3 mil e 4 mil cubanos por mês. O governo cubano só objetou a saída de técnicos e jovens de 15 a 26 anos que estavam na obrigação de cumprir o Serviço Militar, bem como rechaçou a proposta estadunidense de permitir a saída de presos contrarrevolucionários.

Por essa via sairiam do país 268 mil pessoas até 1973, quando o presidente estadunidense Richard Nixon o suspendeu, alegando o suposto questionamento do Congresso ao alto custo do programa de refugiados cubanos (US$ 727 milhões, entre 1961 e 1972). Com certeza, o governo dos Estados Unidos e a contrarrevolução de origem cubana nesse país não deixaram de utilizar estas saídas como propaganda, ao denominá-las «Voos da Liberdade».

Em 2 de novembro de 1966, o presidente Johnson assinou a Lei de Ajuste Cubano, que a partir de então garantiu o tratamento preferencial aos imigrantes cubanos, convertendo-se, com o decurso dos anos, em um estímulo permanente e poderoso para a emigração ilegal de Cuba para os Estados Unidos. Entre outras causas, a origem da Lei assenta no interesse do governo dos Estados Unidos de abaratar os custos do Programa de Refugiados Cubanos — o mais amplo e custoso programa que jamais tenha sido aplicado nos Estados Unidos — e regularizar de forma preferencial o status legal dos imigrantes cubanos.

Esta lei — ainda vigente — funcionou superpondo-se ao acordo migratório e estabelece que: «….o status de qualquer estrangeiro nativo ou cidadão cubano ou que tenha sido inspecionado e admitido ou posto sob palavra (parole) nos Estados Unidos, depois do 1º de janeiro de 1959 e que tenha estado presente fisicamente nos Estados Unidos, ao menos durante um ano, pode ser ajustado pelo procurador-geral, à sua discrição e conforme os regulamentos que possa prescrever, a de estrangeiro admitido legalmente para residir permanentemente, se o estrangeiro fizer um pedido de tal ajuste, e o estrangeiro for elegível para receber um visto de imigrante e for admissível nos Estados Unidos, para residir permanentemente».

A Lei de Ajuste Cubano continuou dando acesso imediato aos imigrantes cubanos, além disso, eram eximidos das restrições por cotas que estabelecia a Lei Migratória de 1965 para os imigrantes de outros países e, passado um ano de permanência nos Estados Unidos, podiam optar pela residência sem ter que sair do país, como estava estabelecido para o resto dos imigrantes. Contudo, um dado pouco conhecido é que muitos cubanos que emigraram para os Estados Unidos, naqueles anos, mostraram pouco interesse na Lei de Ajuste, enquanto estava vigorando o Programa de Refugiados Cubanos, pois o mesmo oferecia vantagens econômicas que nem sequer desfrutavam os norte-americanos, à exceção do pagamento de impostos. Uma vez cancelado o Programa, em 1975, começou a naturalização acelerada dos imigrantes cubanos e sua incorporação à vida política estadunidense.

A partir de 1973 começaria, novamente, uma etapa de agravamento das tensões em torno ao tema migratório entre ambos os países, que teriam seu topo quando, em 1980, produziu-se novamente outra crise migratória, durante o último ano do mandato presidencial do democrata James Carter.

Desde o fim de 1979 até inícios de 1980, os Estados Unidos continuaram implementando sua indiscriminada política de estimular as saídas ilegais de Cuba e receber como heróis aqueles que cometiam esse tipo de ações, ao tempo que negavam, cada vez mais, os vistos aos cubanos que desejavam sair legalmente do país.

Esta situação foi criando, aos poucos, um ambiente próximo ao estouro de uma nova crise migratória entre os Estados Unidos e Cuba, ao se produzirem vários sequestros violentos de embarcações.

Perante esta situação de iminente perigo para a segurança de Cuba e para a política migratória legal e regulada, o governo da Ilha advertiu, em várias oportunidades, a Washington, que tomasse as medidas pertinentes e mudasse sua política de estimular a emigração ilegal e de receber os sequestradores de embarcações como heróis, pois caso contrário o governo cubano seria obrigado a reeditar a experiência de Camarioca. Mas o governo de Washington continuou dilatando suas ações, sem responder às advertências cubanas.

Ainda, com extrema paciência, Cuba vinha suportando, desde 1979, fatos irregulares ocorridos nas embaixadas da Venezuela e do Peru, ao penetrarem nelas, mediante a força, elementos antissociais que procuravam um suposto «asilo político» e eram recebidos como heróis, ao tempo que, paradoxalmente, o visto quando era negado quando o pediam normal e pacificamente.

A irracional política migratória estadunidense a Cuba e a pouca preocupação da Casa Branca quanto às provocações contra a Ilha, feitas a partir do território estadunidense e os atos de sabotagem, como ficou demonstrado na não resposta às notas diplomáticas cubanas de advertência, foram um fator de encorajamento que levou a que, em 1º de abril de 1980, penetrasse pela força na embaixada do Peru em Havana um grupo de elementos antissociais que tinha sequestrado um ônibus, causando na arremetida a morte do policial cubano Pedro Ortiz Cabrera.

Isso levou a uma declaração do governo cubano, em 4 de abril, na qual se explicava que a atitude de ambas as embaixadas, ao «acolherem em suas sedes tais violadores da imunidade diplomática, em vez de rechaçarem semelhante prática», era arriscada para a própria segurança dos funcionários diplomáticos e estimulava os atos de violência contra outras sedes diplomáticas em Cuba. Ao mesmo tempo, de forma peremptória, a declaração advertiu que nenhum indivíduo que penetrasse pela força em uma embaixada estrangeira receberia salvo-conduto para sair do país. A declaração também enfatizou em que nenhuma vez os elementos que tinham penetrado pela força nas embaixadas tinham estado envolvidos em problemas políticos, pelo que não tinham necessidade de asilo diplomático.

Em consequência dos fatos e perante a tolerância do governo peruano, o governo de Cuba resolveu retirar a custódia dessa embaixada. Às poucas horas, o recinto estava lotado, principalmente de lúmpens, delinquentes e vadios. A campanha da mídia estadunidense contra Cuba não demorou.

Então, em um editorial do jornal Granma, em 21 de abril de 1980, tornou-se pública a decisão do governo cubano de que as embarcações que chegassem à Ilha, vindas dos Estados Unidos, para recolher os que desejavam emigrar para esse país, não seriam detidas. Desta maneira, o porto de Mariel ficou livre para a emigração. Por essa via, saíram de Cuba para a Flórida 125 mil cubanos, mais outros 5 mil que viajaram ao Peru e o Panamá, por via aérea, depois do conflito ocorrido na embaixada do Peru.

Depois de resolvida a crise, através de diversos contatos secretos, tiveram lugar as primeiras conversações oficiais entre representantes de ambos os países, sobre o tema migratório, em dezembro de 1980 e janeiro de 1981, mas estas não deixaram acordos concretos, em boa medida pela incerteza que existia perante o triunfo do republicano Ronald Reagan, nas eleições presidenciais dos Estados Unidos.

Contudo, as conversações foram retomadas em 1984 e produziram o segundo importante acordo migratório entre ambos os países, no teor do qual os Estados Unidos se comprometeram a dar até 20 mil vistos anuais, especialmente a familiares imediatos de cidadãos norte-americanos e de cubanos residentes de forma permanente nos Estados Unidos, algo que viriam a descumprir. Ainda, o acordo estabeleceu que os Estados Unidos deviam devolver e Cuba receberia 2.746 emigrantes cubanos que haviam saído pelo porto de Mariel, mas tinham sido declarados não elegíveis para entrar legalmente nos Estados Unidos. A administração Reagan comprometeu-se, também, a facilitar a admissão de ex-detentos contrarrevolucionários que desejavam emigrar para os Estados Unidos. Este acordo ficou invalidado entre 1985 e 1987, após a denúncia feita por Cuba, devido às transmissões ilegais da Rádio Martí, iniciadas a partir do território estadunidense. Como resultado da aceitação da parte norte-americana do direito de Cuba de realizar transmissões radiofônicas para os Estados Unidos, unido à inefetividade da Rádio Martí, realizaram-se novas conversações entre ambos os países e foi restabelecido o Acordo Migratório de 1984 e continuaram as conversações sobre transmissões radiofônicas em frequência AM, de um país para o outro, a inícios de 1988.

Contudo, os «até 20 mil vistos» anuais que estabelecia o acordo de 1984 produziram diversas interpretações das partes assinantes. Isto provocou que os Estados Unidos considerassem ter cumprido o acordo, ao ter dado somente vistos de imigrantes a 11.222 cubanos, entre 1987 — data em que foi retomado o acordo de 1984 — e 1994, quando eclodiu a Crise dos Balseiros.

O anterior, unido aos nefastos efeitos da queda do bloco socialista na economia cubana, gerou a partir de 1991 uma nova instabilidade nas relações migratórias entre ambos os países, que desembocou na crise de 1994, quando as tentativas de saídas ilegais se incrementaram significativamente e ocorreram vários fatos de violência. Foi então quando a direção da Revolução resolveu deixar de bloquear a saída dos que gostariam de abandonar o país — sempre e quando não se tentasse sequestrar navios e aviões — e denunciou a política migratória dos Estados Unidos a Cuba. A administração Clinton, pressionada pela máfia cubano-americana dirigida por Jorge Mas Canosa, respondeu com mais sanções contra Cuba: bloqueio do envio de remessas a Cuba, fechamento das conexões aéreas e ampliação de TV e Radio Martí. Se o cerco econômico e a subversão contra Cuba, feitas a partir dos Estados Unidos — incrementados depois da queda do bloco socialista — eram, no fundo, as causas principais da crise migratória, o governo dos Estados Unidos respondia com mais bloqueio e mais subversão.

Ainda que os balseiros fossem interceptados pela guarda costeira estadunidense, desviados para a Base Naval em Guantánamo e ameaçados de que nunca entrariam nos Estados Unidos, o êxodo não parou. Finalmente, a própria crise levou novamente os dois países à mesa de negociações, lançando mão da diplomacia secreta.

Em 9 de setembro de 1994, em Nova York, foi assinado um Comunicado Conjunto. Desta vez não se fixou como máximo a aprovação de 20 mil vistos anuais aos cubanos, mas como mínimo, e o governo dos Estados Unidos se comprometeu a que os migrantes cubanos que fossem resgatados no mar, na tentativa de entrarem aos Estados Unidos, seriam levados a instalações de refúgio, fora do território estadunidense. Igualmente, ambos os governos se comprometeram a cooperar para tomar ações oportunas e efetivas, com o fim de impedir o transporte ilícito de pessoas com destino aos Estados Unidos e adotar medidas para se opor e impedir o uso da violência por parte de toda pessoa que tentasse chegar ou que chegasse aos Estados Unidos vinda de Cuba, mediante o desvio forçoso de aviões e embarcações. O acordo estabeleceu um mecanismo de rodadas semestrais de conversações para checar o cumprimento dos acordos, as quais seriam depois suspensas, unilateralmente, por W. Bush, em janeiro de 2004 e retomadas em julho de 2009 pelo presidente Barack Obama.

O Comunicado assinalava, inclusive, algo que depois o governo dos Estados Unidos continuou violando, quando começou a prática de pés secos e pés molhados e o programa de parole para os profissionais médicos cubanos, estabelecido durante o governo de George W. Bush: «Os Estados Unidos e a República de Cuba se comprometeram a encaminhar a migração cubana por canais seguros legais e ordenados, consequentes com a aplicação estrita do Comunicado Conjunto de 1984».

Em 2 de maio de 1995, foi assinada uma Declaração Conjunta, complementar do acordo assinado em 1994, estabelecendo a admissão paulatina, dentro dos 20 mil vistos, de um grupo de cubanos que estavam na Base Naval estadunidense em Guantánamo, e que tinham sido interceptados no alto-mar, durante os acontecimentos de 1994. A declaração deixava claro que os emigrantes cubanos que fossem interceptados em alto-mar pelos Estados Unidos tentando entrar em seu território, bem como os que tentassem fazê-lo pela base naval em Guantánamo, seriam devolvidos a Cuba. Ambos os países concordaram que não se tomaria sanção alguma contra os emigrantes devolvidos a Cuba, como consequência de sua tentativa de emigração ilegal e o retorno às autoridades cubanas dos cidadãos cubanos que se encontravam na base naval em Guantánamo e que tinham sido considerados por autoridades estadunidenses que não tinham condições para ser admitidos em seu país.

Embora ambas as partes reafirmassem na declaração seu compromisso de tomar medidas para impedir as saídas perigosas de Cuba, que pudessem significar um risco de perda de vidas humanas e de se opor aos atos de violência associados à emigração ilegal, os Estados Unidos descumpriram esse compromisso; entretanto, começou a aplicar a conhecida distinção entre pés secos e pés molhados, ou seja, aqueles que por via marítima ou terrestre conseguiam pisar território estadunidense sem serem detectados antes pelas autoridades desse país, gozavam automaticamente dos privilégios que a Lei de Ajuste Cubano oferece aos emigrantes cubanos. A política de pés secos, pés molhados, mais do que um documento legal, foi uma prática quase imediata, estabelecida pelo governo dos Estados Unidos depois de assinados os acordos de 1994 e 1995.

Contudo, em 19 de abril de 1999, a comissionada do Serviço de Imigração e Naturalização (INA, sigla em inglês) do Departamento de Justiça, Dorys Meissner, emitiu um Memorando — que alguns consideram a interpretação legal da política de pés secos, pés molhados — onde se confirmava a elegibilidade privilegiada para a residência permanente, sob a Lei de Ajuste Cubano, dos imigrantes cubanos que chegavam ao território estadunidense, apesar de não fazê-lo pelos portos de entrada estabelecidos.

Atualmente, a Lei de Ajuste Cubano continua sendo um estímulo importante para a emigração cubana, pois por razões unicamente políticas oferece benefícios aos imigrantes cubanos que não tem nenhum outro grupo nos Estados Unidos. E nisso continua havendo uma politização do tema que a Lei de Ajuste arrasta desde que foi promulgada, como vestígio da Guerra Fria. Contudo, o novo acordo migratório assinado entre Cuba e os Estados, em 12 de janeiro passado, constitui um avanço importante e, na prática, elimina os componentes mais negativos dessa lei, ao desestimular as saídas irregulares, por qualquer via, seja marítima ou ter-orestre, mas não só isso desencoraja, também, a permanência irregular no território estadunidense ainda que a saída de Cuba tenha sido de forma legal e segura.

(Granma)

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